23 de novembro de 2024 08:55

Pelo resgate do patrimônio histórico e cultural da capital do país

Especialistas reforçam que a destruição na Praça dos Três Poderes é um crime que afronta, diretamente, a cultura arquitetônica e urbanística

/
/
/
/

Com traços arrojados, monumentos arquitetônicos que detêm a maior área tombada do mundo e um legado que vai além do território verde e amarelo, Brasília iniciou um capítulo importante na história há mais de 35 anos, quando recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Ao figurar na lista como primeiro bem cultural contemporâneo, a cidade passou a ser um símbolo da identidade e memória para toda a humanidade. Diante disso, especialistas reforçam que a destruição intencional e direta desse patrimônio, como a ocorrida no ato terrorista de 8 de janeiro, que vandalizou prédios na Praça dos Três Poderes, é um crime que afronta, diretamente, a cultura arquitetônica e urbanística do mundo inteiro.

O Patrimônio Cultural de Brasília é composto por monumentos, edifícios ou sítios que têm valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. A compreensão da sua preservação reafirma a necessidade de políticas públicas capazes de assegurar a proteção desse acervo. O vice-presidente do Conselho Arquitetônico e Urbanístico do DF (CAU-DF), Pedro Grilo, lembra que Brasília é considerada a maior experiência urbanística do século 20. “O que caracteriza isso é a separação entre os edifícios e a malha viária, deixar um maior espaço para o verde”, explica.

Pedro destaca que muitas cidades de outros países tentaram fazer um plano urbanístico semelhante, que valorizasse ainda mais o verde dos jardins, mas não tiveram sucesso. “Em termos de arquitetura, isso também se manifesta, porque os projetos de edifícios, principalmente de Oscar Niemeyer, trouxeram a característica racionalista. Os prédios e superquadras arejados são coisas únicas”, diz. “Ter Brasília como patrimônio cultural é de fundamental importância, porque é um registro de uma época que teve apoio e contribuição do mundo inteiro”, completa.

O arquiteto observa que os palácios depredados pelos vândalos no domingo não estavam sendo bem conservados. “Isso revela a necessidade de intervenções cada vez mais necessárias para não haver vazamento de água, recuperar a impermeabilização, melhorar a segurança de edifícios”, alerta. 

 

 

 13/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Estragos do vandalismos no Congresso Nacional, em destaque peças e obras danificadas do Museu do Senado Federal. Local - Laboratório de restauração, conservação e preservação do museu do Senado Federal. Equipe de conservação e restauração de bens culturais. Priscila Rocha, Raimundo Nonato (careca) e Carlos Senna.

 

Crime hediondo

O professor Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz, da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) afirma que o ataque ao patrimônio público da capital federal representa uma mancha em uma importante página da história do país. Cláudio relata que existem muitas cidades que se tornaram patrimônio histórico, mas para Brasília foi dado o título de patrimônio histórico e cultural. “Ouso dizer que é mais importante porque ao se tornar patrimônio cultural, a cidade passa a ser testemunho de uma história viva. O patrimônio é a admissão de algo culturalmente importante porque guarda uma expressão nacional”, diz.

Cláudio assinala que nunca houve algo semelhante. “Tirando a destruição de Canudos ou a escravidão, o que aconteceu no domingo é um atentado muito perdido na história, não há nada que se compare e seja tão destrutivo, em termos de expressão histórica, quanto esse”, analisa. O especialista chama a atenção para o vandalismo da arquitetura. “Para além das obras inestimáveis que tínhamos e foram perdidas, a própria arquitetura dos prédios foi, de alguma forma, depredada. Os vidros vieram de outro país porque não tínhamos como encontrá-los”, exemplifica.

Para o especialista, o ato de destruição pode ser classificado como um crime hediondo. “As pessoas que fizeram isso foram possuídas por um pensamento ignóbil e fizeram o que a ignorância os permitiu fazer de melhor, que é o pior possível”, completa.

A equipe de conservação e restauração de bens culturais do Museu do Senado, formada por Priscila Rocha, Raimundo Nonato e Carlos Senna, ficou responsável por avaliar o estado das peças destruídas pelos terroristas.

Valor inestimável

Moradora da Vila Planalto, a coordenadora do Movimento Guardiões de Brasília Patrimônio da Humanidade, Leiliane Rebouças, conta que o pai foi um dos milhares de candangos que vieram de pau-de-arara do Ceará, em 1958, para ajudar a construir Brasília. Ele trabalhou nas obras do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional, da Torre de TV e do Teatro Nacional Cláudio Santoro. “Foi com muita tristeza que vi a destruição criminosa dos monumentos tombados e dos móveis de design e bens artísticos de relevância internacional por esses vândalos, que se autodeclaram ‘patriotas’. Esses bárbaros fanáticos de extrema direita destruíram o patrimônio do país”, lamenta.

Leiliane avalia que a invasão da Praça dos Três Poderes é “inaceitável” e demonstra que houve negligência de autoridades. “Quem já participou de manifestações em Brasília sabe que não seria possível tamanho estrago sem que houvesse conivência na área de segurança. (…) Quem vai pagar os danos causados por pessoas que depredaram os palácios é o contribuinte brasileiro”, salienta.

Marlova Noleto, diretora e representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Distrito Federal, reitera que ainda não há um cálculo finalizado das perdas. “Sabe-se que é bastante alto e, independentemente do valor financeiro, há o valor histórico, artístico e cultural inestimável, que não se resume apenas às obras de arte em si. Vale lembrar que os ataques aos conjuntos arquitetônicos causaram um prejuízo de valor elevado aos cofres públicos”, pontua.

A representante da Unesco enfatiza que o compromisso na preservação do patrimônio é de todos. “Esses ataques impactam, e muito, a imagem e o sítio do patrimônio da Praça dos Três Poderes. Não é tão simples pensar que basta substituir um vidro ou uma viga e que vamos ter a situação resolvida. Nós temos que ver de que maneira ele foi projetado, pensado. São obras do Niemeyer de inestimável valor histórico e arquitetônico para a capital federal, para o país e para toda a humanidade”, completa.

Após reunião com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, Marlova divulgou que a Unesco vai trabalhar em uma comissão, aliada à pasta, para acompanhar o trabalho de restauração. 

LEGADO

Em 1972, a Unesco criou a Convenção do Patrimônio Mundial, para incentivar a preservação de bens culturais e naturais considerados significativos para a humanidade. O objetivo é permitir que o legado que recebemos do passado, e vivemos no presente, possa ser transmitido às futuras gerações. É o caso de Brasília. Marco da arquitetura e urbanismo modernos, a cidade é detentora da maior área tombada do mundo — 112,25 km² —  e foi inscrita pela Unesco na lista de bens do Patrimônio Mundial em 7 de dezembro de 1987, sendo o único bem contemporâneo a merecer essa distinção. O Patrimônio Cultural de Brasília é composto por monumentos, edifícios ou sítios que tenham valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. A compreensão da sua preservação reafirma a necessidade de se executar políticas públicas capazes de assegurar a proteção desse patrimônio.

FRASES

“Tirando a destruição de Canudos ou a escravidão, o que aconteceu no domingo é um atentado muito perdido na história, não há nada que se compare e seja tão destrutivo, em termos de expressão histórica, quanto esse”

Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz, professor da Faculdade de Arquitetura da UnB

“Ter Brasília como patrimônio cultural é de fundamental importância, porque é um registro de uma época que teve apoio e contribuição do mundo inteiro”, completa.
vice-presidente do Conselho Arquitetônico e Urbanístico do DF (CAU-DF), Pedro Grilo

Tirando a destruição de Canudos ou a escravidão, o que aconteceu no domingo é um atentado muito perdido na história, não há nada que se compare e seja tão destrutivo, em termos de expressão histórica, quanto esse”

Cláudio José Pinheiro Villar de Queiroz, professor da Faculdade de Arquitetura da UnB

Ter Brasília como patrimônio cultural é de fundamental importância, porque é um registro de uma época que teve apoio e contribuição do mundo inteiro”

Pedro Grilo, vice-presidente do CAU-DF

O site Achei No Sudoeste é um guia comercial com notícias e informações sobre o bairro. Nosso foco é divulgar e facilitar a população em geral sobre a pluralidade de segmentos existentes. O Setor Sudoeste possui um comércio bem misto e interessante que muitas vezes não está à vista de quem circula pelas quadras e avenidas.

Copyright © 2024 - Achei no Sudoeste