23 de novembro de 2024 03:57

Dispara o número de divórcios no DF em meio à pandemia

Em um ano, houve aumento de 40%, o maior do país. Processos podem ser feitos digitalmente desde julho de 2020, o que, para especialistas, influenciou na alta, além da crise sanitário. Porém, quantidade de rompimentos está subindo desde 2015


 

O Distrito Federal foi a unidade da Federação que mais registrou crescimento no número de divórcios em 2021. No ano passado, 2.583 casais se separaram, aumento de 40% em comparação a 2020, quando
1.850 pares anularam o “sim”. Atrás do DF, estão Amapá (33%), Acre (27%), Pernambuco (26%) e Roraima (19%). O resultado de 2021 na capital federal é o maior desde o começo da série histórica, em 2007, quando o procedimento passou a ser realizado também em cartórios. Em relação àquele ano, o aumento em 2021 foi de 442,6%. No Brasil, São Paulo lidera a quantidade de divórcios no ano passado, com 17.701. Em seguida estão Paraná (9.501), Minas Gerais (8.025), Rio Grande do Sul (6.343) e Rio de Janeiro (6.039).

Os dados são da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), administrada pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF), entidade que reúne os 8.580 cartórios de notas do país. Em números absolutos, o DF também é o campeão de crescimento de atos, com 733 processos a mais em 2021 do que em 2020. Na sequência, estão Rio Grande do Sul (477), Rio de Janeiro (469), Pernambuco (373) e Bahia (343). Para se divorciar em cartório, a ação precisa ser consensual e não envolver filhos menores de idade.

Os registros judiciais de fins de relacionamento apresentam tendência de subida no DF desde o início da série, com sutis diminuições pontuais. Desde 2015, porém, o valor está em constante aumento na capital do país. Thiago Sorrentino, doutorando em ciências jurídicas e professor de direito do Ibmec Brasília, observa que, do ponto de vista legal, alterações importantes baratearam e aceleraram o processo, além de oferecerem maior segurança à integridade física das mulheres. “As principais mudanças foram a instituição de procedimento administrativo para divórcio, com a substituição do Judiciário pelo cartório; a eliminação da separação judicial obrigatória; e o aumento da proteção à mulher e aos filhos, por incentivar as vítimas a buscar uma solução para buscar a desconstituição do laço do casamento, sem temor de retaliação”, destaca o professor.

 

Pandemia

 

Citando a economia comportamental, Sorrentino aponta a crise provocada pela covid-19 e a falta de percepção sobre as consequências do fim de uma união estável. “O aumento do tempo de convivência e o empobrecimento dos indivíduos durante a pandemia podem ter contribuído para os resultados, já que são eventos estressores das relações familiares”, explica o especialista. “Tende-se a não avaliar a densidade das obrigações legais e a potencial gravidade das consequências do divórcio, nas dimensões emocional, econômica e jurídica”, avalia.

Foi o caso de Raquel e Hugo (nomes fictícios). O casal, que mantinha rotinas separadas antes da pandemia, passou a conviver ininterruptamente durante o isolamento social. A frequência dos encontros reviveu conflitos antigos e tornou o cotidiano dos dois ainda mais difícil. “Foi doloroso perceber, mas chegamos à conclusão, juntos, que era melhor nos separarmos. Por não termos filhos, optamos pelo divórcio digital”, revela Raquel, que foi casada com Hugo por cinco anos. “Todo o processo foi tranquilo. Tentamos conduzir a separação do jeito menos traumático possível”, complementa Hugo.

Ricardo de Faria Barros, psicólogo especialista em psicologia positiva, concorda com Sorrentino. Para ele, a pandemia da covid-19, em diversos aspectos, acelerou o futuro. “No período de isolamento, os casais passaram a se ver 24 horas por dia. Muitos casamentos saíram fortalecidos e muitos, estremecidos. Creio que os estremecidos foram em maior grau”, opina o especialista.

O professor acredita que a crise sanitária aproximou a discussão sobre a finitude da vida. “Trouxe a presença da morte, que era um tabu e passou a ser uma presença objetiva. Nesses momentos, deixamos de aceitar muitas das coisas, por conta da percepção da quase morte. É um efeito colateral”, complementa. O fim dos relacionamentos, contudo, não é, necessariamente, ruim. “Quantas pessoas viviam relações em que havia muito sofrimento? Quantas mulheres viviam sob sobrecarga no relacionamento ou em situação de violência doméstica?”, questiona o psicólogo.

 

Vida a dois

 

Ricardo analisa a separação de casais sob três aspectos: social, cultural e individual. “Vivemos em um período de pouca vinculação social, com dificuldade de criar, cultivar e respeitar vínculos”, continua o especialista, tratando do viés social. “É a sociedade dos amores ansiosos. A expectativa e a energia gastas com determinada ação são diferentes das condições materiais que essa ação demanda. A diferença aumenta significativamente a ansiedade, e a frustração e tem impacto na vida a dois”, pondera.

Quanto ao papel cultural, Ricardo cita a terceirização da culpa, que limita a capacidade de se arrepender. “Isso nos impossibilita aprender e mudar. Não nos sentimos protagonistas do que ocorreu, estamos sempre olhando de longe, não é problema nosso. Há falta de responsabilidade afetiva e manipulação emocional muito fortes, são relações imaturas. Isso altera o ambiente relacional onde os encontros estáveis se configuram”, destaca.

Do ponto de vista individual, o psicólogo ressalta o crescimento do narcisismo, que leva as pessoas a viverem em função da imagem projetada delas mesmas. “Não há lugar para acolher o outro. A busca da felicidade aqui, agora e para já é irmã gêmea da positividade tóxica, porque não propõe nada para o amanhã. Os conflitos não são mais suportados”, descreve.

Giselle Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil/Conselho Federal (CNB/CF), elenca dois movimentos percebidos nos balcões de atendimento dos cartórios e nas videoconferências. “São casais que passaram a ter uma convivência contínua ao longo da pandemia, o que resultou em problemas matrimoniais, ou aqueles que surgiram durante a pandemia, formado por pessoas que passaram a dividir seus lares, mas que acabaram não mantendo o matrimônio”, afirma a presidente.

 

Alternativa

 

Não é possível saber quantos divórcios digitais foram executados no DF desde que o procedimento passou a ser feito também on-line, em julho de 2020, com a plataforma e-Notariado. No entanto, o portal é atrativo e tem conquistado cada vez mais usuários. O sistema permite a prática de quase todos os atos notariais, como escrituras, procurações e testamentos, em meio eletrônico. “A facilidade do divórcio on-line foi um dos principais fatores para o crescimento”, aponta Giselle. “Há relatos de casais que preferiram essa solução para, justamente, não ter de rever o ex-parceiro, ou porque estavam em estados diferentes e não podiam comparecer ao cartório de notas juntos”, complementa.

Allan Nunes Guerra, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal, também credita boa parte do aumento aos processos digitais. “Em 2020, tudo ainda era novo e experimental. Em 2021, a ferramenta pegou de vez. Assim, parte desse aumento de escrituras de divórcio em 2021 decorreu do represamento de 2020”, acredita. Allan descreve o passo a passo do procedimento. “O casal e o advogado escolhem um cartório, que gera a escritura de divórcio e um link, o qual deve ser acessado por todos. O casal assina a escritura e, em seguida, é feita uma videoconferência, gravada, em que os participantes confirmam o divórcio”, explica o presidente.

Patrícia (nome fictício) usou o e-Notariado para se divorciar do então marido em setembro de 2020. A preferência pela plataforma se deu por conta do isolamento social em meio à pandemia da covid-19. Ela aprovou o sistema. “Eu não estava saindo de casa, então, foi a melhor opção. Além disso, tornou menos difícil um processo que, por si só, já é complicado”, pondera. Patrícia e o ex-esposo participaram da audiência virtual já em casas separadas. 

 

 

Divórcio

 

 

 

 

 

 

 

*Com informações Correio Braziliense

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